Foto: José Cadaveira
Levei-te pela mão através do emaranhado de arbustos, silvas e mato!
Por um caminho que já não era caminho!
Seguias-me em silêncio, mas não totalmente descansado.
As silvas prendiam-se no meu vestido leve e por vezes faziam-me pequenos cortes na carne, mas eu seguia indiferente a tudo aquilo.
Embora o dia estivesse muito quente ali quase não entrava o sol!
Tu sentias um certo desconforto, mas não sabias se seria da semi-sombra ou do meu silêncio!
Andámos durante cerca de meia hora, sempre em silêncio...
Lá bem ao fundo começava a ver-se o sol, notava-se o brilho e até se começava a ouvir o canto dos pássaros!
Finalmente uma clareira e ela lá estava!
Imponente como sempre fora, altiva, com aquele ar meio ameaçador meio romântico!
Nem mesmo o passar do tempo, o abandono, a ruína, a desgraça ou o caos lhe tiraram a imponência!
Quando se tem, tem-se!
Seja gente ou não!
E a Casa lá estava, tal como me lembrava em criança.
As janelas mantinham quase todos os vidros e as portas muito velhas ainda lá estavam.
Sempre metera respeito, respeito e medo!
Talvez por isso nunca fora vandalizada, o medo impõe respeito!
Por vezes é triste pensar que é assim, mas por outro lado ainda bem que assim é.
Não iria suportar vê-la vandalizada, bestializada, por quem nunca a entendera, por quem não lhe entendera a “alma”!
Sim pois para mim as casa têm “alma” têm estória, segredos, guardam sonhos e pesadelos de vidas inteiras...
Entramos, parei no hall, o chão de mármore em losangos pretos e brancos, alguns rachados, a alta escadaria com o corrimão de latão, que me recordo ser limpo com “solarina”, produto que nem sei se ainda existe...
Os tectos com um pé direito enorme, com o gancho de onde pendia um enorme lustre que descia para ser limpo, segundo me lembro, no meu tempo já tinha uma roldana no sótão, mas não sei se terá sido sempre assim!
As marcas dos quadros ainda se notavam nas paredes, o relógio de pé Inglês que tinha a lua de um lado e o Sol do outro, ficava do lado esquerdo ao lado da porta da sala de jantar!
Se fechasse os olhos ainda o conseguia ouvir...
Na sala de jantar consigo "ver" o sideboard, a longa mesa de pés de talha com o tampo de granito polido com uma ponta partida, o espelho de talha dourada,a carpete oriental negra e beije, o lustre com alguns cristais coloridos....
As empregadas com fardas negras de setim, "crista" e colarinho (com goma) avental de renda branca engomado e luvas brancas, sapato de verniz preto de salto raso. Isto nos jantares de festa, de resto as fardas até que tinham cores alegres!
Fui até à escada que dava para a cozinha e zona dos empregados!
O velho fogão a lenha ainda lá estava, já quase não se usava no meu tempo de criança, mas nunca fora deitado fora.
Perto dele estava aquela coisa que nunca soube o nome mas que aquecia a água para todos os aquecimentos da casa. Esses aquecimentos eram uns aparelhos em metal com uma "rodinha" e que se encontravam espalhados pelas divisões da casa. Como eram feiosos foram disfarsados, lembro-me de uns terem uma pedra mármore e tranças de veludo até ao chão outros pareciam armários...
Os grandes lava louças de mármore, os armários de madeira enormes com portas de vidro, madeira, rede.
As enormes bancas corridas. Agora, embora a cozinha fosse grande, não me parecia tão grande!
A despensa, que estava sempre cheia de coisas boas....
Dentro da chaminé ainda se via o ferro onde se pendurava o “fumeiro”.
O gato sentado ao lado, sim o gato podia entrar na cozinha!
As portas de madeira que um dia foram brancas abriam-se agora, fora dos gonzos deixando ver uns campos que outrora foram culturas e do lado direito os canis, agora vazios, abandonados.
Do lado esquerdo o jardim sem relva as escadas para o grande tanque que fora transformado numa piscina, vejo a fonte com o peixe que um dia deitou água e ainda se podem ver nas paredes os azulejos azuis que brancos que forravam parte delas.
Recordo-me dos buxos bem aparados para onde eu me divertia a saltar... Para desespero do pobre jardineiro!
Mais uma vez, fecho os olhos e ouço o meu riso, os passos, sinto os cheiros...
E estou nisto quando oiço um:
- Aiiii, tás a magoar-me!!!!!
Olho para trás e vejo-te, estás com ar meio dorido meio assustado, esquecera-me completamente de ti!
- Desculpa mas perdi-me completamente no passado! Não te queria apertar a mão com força e muito menos espetar-te as unhas...
- Olha, vamos ao meu antigo quarto!
Mais uma vez nem o deixo responder, agarro nele e subo as escadas a correr!
Chegados ao hall, digo-lhe!
- Sobe, continua a subir o meu quarto era na mansarda!
E fujo-lhe.
Ele aflito grita-me:
- Vai devagar a casa é velha, pode estar podre ainda te magoas, aliás, ainda morremos aqui os dois!
Eu entre gargalhadas grito-lhe!
- Esta casa NUNCA ME FARÁ MAL, nunca! E NEM A TI pois estás COMIGO e ELA SABE que EU GOSTO DE TI!
E subimos até eu parar numa porta é o meu quarto.
Ali estava a minha pequena cama, no canto a senhorinha de cor verde, odeio verde, o pequeno toucador ficava perto da janela, o espelho era preso na parede, ainda lá está, já quase sem o espelhado.
Páro em frente a ele, fico mais em “negro” do que em "espelho"!
As lágrimas começam teimosamente a querer saltar, aquele espelho é em parte a minha vida!
Ele chega por detrás de mim e pára a olhar por de cima da minha cabeça!
A imagem do rosto dele é completamente nítida no espelho velho!
Ele diz:
- Anda cá, não vês que o espelho é maior do que aquilo que a tua vista alcança?!
E com ternura pega em mim e fazemos amor no meio de todo aquele pó que até aqui era o meu pó, o meu passado e a partir de agora passa a ser o nosso pó o nosso futuro o nosso destino.
E mais uma vez a casa acolheu-me, abraçou-me e amou a quem eu gosto!
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